O Brasil não foi Colónia

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Com este artigo, o professor Loryel Rocha, filósofo, idealizador do Instituto Mukharajj e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro inicia uma colaboração com a Alagamares- Associação Cultural

O BRASIL NUNCA FOI UMA COLÔNIA!

NOTA: O ARTIGO RESPEITA O PORTUGUÊS DO BRASIL ORIGINAL

A expansão portuguesa não foi, nem fruto do acaso, nem um feito político da Coroa ou de cortesão esforçados, antes a missão de uma Ordem iniciática.”
Manuel J. Gandra

O Brasil Não Foi Colônia é o título de uma conferência proferida pelo historiador paulista brasileiro Tito Lívio Ferreira na Sociedade de Geografia de Lisboa em 27/06/1957.
O Brasil Não Foi Colônia, longe de ser um título provocativo ou ingênuo, configura uma chamada de atenção, lançada em meados do século XX, que já na altura estava e, ainda está, na contramão da historiografia nacional, submetida à um pensamento marxista, árduo defensor de uma história republicana anômala, que privilegia as literaturas que se esmeram em “desmontar” a memória da monarquia portuguesa e, por conseguinte, do Brasil. Desafortunadamente, do outro lado do Atlântico, a historiografia nacional portuguesa enfrenta cenários de “desmonte” semelhante, embasados em fundamentos “aparentemente” distintos. As razões para isso são múltiplas, mas, sustentadas numa hermenêutica positivista, de saída, arbitrária e reducionista, sustentáculo das literaturas de compromisso que preferem ignorar a interrogar, sem penetrar a alma autêntica da terra e dos homens em busca de sua verdadeira essência.
A história do Brasil e de Portugal foi a mesma história até o século XIX, no sentido de que os hoje dois Estados faziam parte da mesma comunidade nacional. Assim, as investigações que cobrem todo esse período devem ser conduzidas investidas daquela porção de soberania que ultrapasse as fronteiras do Atlântico. Indo mais e além, é mister, inclusive, considerar que, se a formação histórico-social-religiosa e político-administrativa de Portugal deita raízes na Galiza, berço da nobreza portuguesa, por conseguinte, tais raízes são transplantadas para o Brasil, de modo direto ou indireto estão também aqui encarnadas. Assim, perpassa um eixo Galiza-Portugal-Brasil que merece melhores estudos, incluso, sobretudo, os respectivos mitos fundadores, sem os quais a história de Portugal permanece como que lacrada à investigação, como bem evidencia a obra de Manuel J. Gandra (in: Da Face Oculta do Rosto da Europa).
Sobre a gravidade do “desmonte” desta herança, adverte Arlindo Veiga dos Santos (in: Idéias que marcham no silêncio, 1962): O Presente que nega o Passado não terá Futuro. Todos os séculos da história de uma Nação são páginas de um só livro, de sorte que não se engrandece ou se enobrece uma Nação subtraindo registros, caluniando sua fundação ou ajustando a história ao convencionado. O “desconhecimento” destas lições é o sustentáculo do credo marxista “a mais influente força obscurantista da história contemporânea” (in: SALGADO, Plínio. Manifesto de Outubro de 1932 (Edição do Cinquentenário). Resulta deste cenário de “falta de memória” uma lamentável lacuna na História e Identidade de ambos os países, com graves prejuízos e repercussões para o Futuro, entendido aqui como expressão do Quinto Império.
Ciente disso, ampliando horizontes na defesa da salvaguarda e da preservação, sem preconceitos, da história e identidade luso-brasileira, está o pensamento de Tito Lívio Ferreira. O Brasil Não Foi Colônia, conferência proferida na Sociedade de Geografia de Lisboa em 27/06/57 constitui uma espécie de tese que perpassa duas obras do mesmo autor: A Ordem de Cristo e o Brasil (Ibrasa, 1980) e História da Civilização Brasileira (Gráfica Biblos, 1959), esta última, escrita em conjunto com seu irmão, Manoel Rodrigues Ferreira. Afirma Luiz Tenório de Brito no Prefácio da História da Civilização Brasileira: “Até metade do século passado a palavra colônia era desconhecida da história tricentenária da comunidade luso-brasileira. Foram os historiadores brasileiros que a introduziram nas suas obras, Porto Seguro à frente. Portugal jamais o fez”. Na elucidação desta tese, os autores traçam os argumentos comprobatórios e afirmam, dentre outros dados, que dentro do universo de implicações da palavra colônia é necessário distinguir entre naturalidade e nacionalidade, mais, que, em fins do século XVIII, não se confundia naturalidade com nacionalidade:
“Esse princípio jurídico da nacionalidade portuguesa dos brasileiros fora estatuído claramente em 1605, pelo Conselho das Índias, mais tarde Conselho Ultramarino[…] Nessas condições, os portugueses de Portugal e os portugueses do Brasil não se julgam colonos porque não eram. Assim, os Reinos de Portugal e Algarves, as províncias europeias e as de ultramar, inclusive o Estado do Brasil, componentes do Império Lusitano, governavam-se pelo corpo de leis disciplinares sob o título “Ordenações do Reino”, dividido em cinco livros que tratavam, o primeiro das autoridades e tribunais, com os respectivos auxiliares; os segundos dos direitos dos soberanos, privilégios da Igreja e outras pessoas; o terceiro do processo civil; o quarto do direito privado e o quinto do direito penal e processo civil. Feita a separação política do Reino do Brasil do Reino de Portugal, a parte da legislação civil portuguesa vigorou no Império do Brasil e na República até 1917, há 40 anos atrás quando foi promulgado o Código Civil Brasileiro” (op. cit., 1959, p. 39-40).
Que o Brasil não foi colônia dizem-no João de Barros, Pero de Magalhães Gândavo, Frei Vicente do Salvador, Antonil, Bluteau, Pedro Taques, Frei Gaspar, Rocha Pita e todos os cronistas do Estado do Brasil, ou do Brasil-Província. O fato de Bluteau definir, em começo do século XVII, a palavra colônia, ele não quer dizer que o Estado do Brasil fosse colônia, afirma Tito Lívio(op. cit., 1959, p.77).
Tito Lívio (1980, p. 67) falando sobre a imigração de casais portugueses que vieram juntos com o Padre Manoel da Nóbrega afirma:
“Todos são portugueses, com exceção de Aspicuelta Navarro, porque natural de Navarra, na Espanha. Até fins do século XVIII, não existia o princípio da nacionalidade instituído em 1792, com a proclamação da primeira República Francesa. Nesse caso, o vassalo tinha apenas naturalidade e não nacionalidade. E se estivesse a serviço do Rei de Portugal, era considerado português para todos os efeitos.
O autor alerta igualmente para a imprudência literária que faz confundir ou sobrepor o significado da palavra colônia à idéia de feitoria (com sentido similar ao aplicado às colônias militares romanas):
De 1500 a 1532 os Portugueses construíram feitorias na costa da Província de Santa Cruz, para defender a terra dos piratas estrangeiros. Essas feitorias eram semelhantes às colônias militares estabelecidas pelos romanos como postos avançados no território conquistado. Nessas colônias militares romanas vigorava apenas o Direito Romano. Criado o município, o território era elevado à província romana. E ao lado do Direito Romano se formava o direito municipal, ou direito público dos munícipes. Ora, em 1532 os portugueses criam o primeiro município lusitano instalado em São Vicente. As feitorias passam a fortalezas. Perdem o sentido militar primitivo. E ao lado das Orientações do Reino onde se disciplinavam as leis desde Afonso V de Portugal, começa a surgir, de 1532 em diante, com o regime municipal luso-brasileiro, um código local para uso dos munícipes, para uso da terra (op. cit., 1959, p.37-38).
Barbara Freitag (in: Capitais migrantes e poderes peregrinos, 2009, p.43) cita a obra de Nestor Goulart Reis Filho e seus colaboradores Beatriz Piccolato Siqueira Bueno e Paulo Júlio Valentino Bruna (Imagens das vilas e cidades do Brasil colonial, 2001) que reescreve a formação da sociedade colonial alertando para um fato inédito ou pouco conhecido:
Poucos sabem que quase todas as vilas e cidades mais antigas tiveram muros e portas, como grandes fortalezas. Poucos sabem também que muitas delas foram traçadas por engenheiros militares e tinham formas geométricas regulares. E muito poucos tiveram notícias sobre as aulas de Arquitetura Militar, que formaram esses engenheiros e partir de 1696, inicialmente na Bahia e em Pernambuco e, depois, também no Rio de Janeiro e no Pará.
Freitag afirma que os estudiosos do período colonial negligenciaram o estudo das cidades do período colonial, disseminando a crença de que os portugueses teriam sido “semeadores” sem projeto e racionalidade de ocupação territorial na ocupação do espaço urbano brasileiro: “já começa a haver consenso entre pesquisadores brasileiros e portugueses de que havia uma atividade planejadora regular do mundo luso-brasileiro nos tempos de colônia”.
À parte as providenciais “negligências”, tanto Freitag quanto Reis Filho alertam para uma “atividade planejadora regular” da Coroa no período colonial. Tal planejamento evidencia as características “militares” das cidades da “colônia”, corroborando a tese das feitorias (futuras vilas e cidades) como “colônias” militares, de Tito Lívio, o que incita, evidentemente, a ampliar o olhar sobre a forma de administração da Coroa.
Quanto a isto, é pertinente perguntar sobre a origem e razão do “caráter militar” desse planejamento, porque, o argumento que se assenta sobre a idéia de “defesa” do território comunga uma visão reducionista do assunto. Isto porque, é consabido que Portugal não foi um império de conquista, portanto, o número de homens em armas era bastante reduzido. Ademais, é deveras sintomático o fato de ter sido a Ordem de Cristo a autora, patrocinadora e mentora dos Descobrimentos Portugueses, autêntica sucessora da Ordem do Templo de Portugal, esta, de consabido cariz militar e monástico. A Ordem do Templo foi uma cavalaria espiritual à conquista do mundo. A sua fama militar e monástica tem uma vertente exterior e uma vertente individual, contemplativa, ascética. Portanto, o testemunho militar deve ser consoante a missão assumida pela milícia templária. Concerne investigar criteriosamente o quanto da missão templária foi transposta (e se o foi e como) para o povoamento e formação do Brasil. Some-se a isso a relevante questão de a Ordem de Cristo ter exercido uma influência notável no povoamento e na formação do Brasil e, de ser o Brasil patrimônio da Ordem de Cristo, e não da Coroa Portuguesa:

“D. João II, rei de Portugal, e o rei de Castela assinam o Tratado de Tordesilhas, em 07 de Junho de 1494[…] E assim, seis anos antes da viagem de Pedro Álvares Cabral, já Portugal reivindicava a posse da terra do Brasil, para o patrimônio da Ordem de Cristo, segundo as bulas anteriores dos Papas D. Martinho V., D. Nicolau V e D. Calixto III, porque os descobrimentos portugueses eram custeados pelas rendas da Ordem de Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, a Ordem de Cristo[…]
Traçada a fronteira ideal das terras pertencentes a Castela e das terras adjudicadas à Ordem de Cristo, pelo Tratado de Tordesilhas, em 1494, quatro anos mais tarde, em 1498, Duarte Pacheco Pereira, mandado por D. Manuel I, cruza o Atlântico de norte a sul, para localizar geograficamente o patrimônio ultramarino da Ordem de Cristo, no novo continente e chega até o cabo de Santo Agostinho, no litoral do atual Estado da Paraíba. E o Papa Calixto III, pela Bula de 13 de março de 1455, “declarara inerentes ao mestrado da Ordem de Cristo em Portugal a administração e padroado das terras adquiridas e por adquirir, desde o Cabo Bojador até à Índia (Ásia) e Xisto IV confirmara ao rei D. João II (de Portugal) as bulas de seus predecessores”(Cf. Francisco Adolpho de Varnhagen. “História Geral do Brasil”, T. 1- p.69).
O diagnóstico acima separa as jurisdições pertencentes à Ordem de Cristo das da Coroa Portuguesa (igualmente, lança luz sobre o Pacto do Padroado e sobre o fato de a maioria dos reis portugueses – de 19 dos 34- terem sido excomungados pela Igreja de Roma, o que rebate a verdade aceita da absoluta catolicidade de Portugal!). É consabido o fato de no ano de 1420, o Infante D. Henrique, duque de Viseu, filho de D. João I, foi colocado à frente da Ordem de Cristo. Todos reconhecem neste nome o autor das descobertas e das colônias europeias; o que menos se sabe fora de Portugal, é que estas descobertas eram feitas à custa desta Ordem e em seu proveito. Os reis de Portugal, para animar estes cavaleiros, lhe concederam a princípio a propriedade dos países que poderiam adquirir, reservando para si a soberania. Foram tão rápidos os seus progressos e tão consideráveis as suas aquisições, que, mesmo em vida do Infante, a prudência exigiu outros contratos. Em vez da propriedade dos países adquiridos, que volveu à Coroa, concederam-lhes a jurisdição civil, certa superioridade militar, os dízimos e a jurisdição eclesiástica, com o consentimento dos papas. Anos depois, a boa política pediu que a supremacia de uma Ordem, tão rica e poderosa, fosse para sempre anexada à pessoa do rei, como de feito se conseguiu. Desde o cabo Bojador, onde tiveram princípio estas descobertas, não era permitida a navegação a navio algum português que não hasteasse a bandeira da Ordem; além deste cabo os portugueses não usavam outra” (Abade Correia da Serra. Os verdadeiros sucessores dos templários e o seu estado em 1805. In: Cadernos da Tradição. Lisboa: Hugin, 2000, p.59-70). O rei de que se trata foi D. João III. Tal política coincide com o início da decadência nacional propiciada pelo enfraquecimento da Ordem de Cristo, motivada pela supracitada reforma, conduzida por frei António de Lisboa, a mando do rei D. João III, em 1529, que mandou incendiar e destruir todos os documentos respeitantes à Ordem de Cristo.
Manuel J. Gandra (in: O Projecto Templário e o Evangelho Português, 2013, p. 24), demonstra que, ao contrário, Portugal assumiu, em nome da Ordem do Templo, um compromisso ecumênico, interrompido (ou adulterado) pelo incensado D. João II, que depois de assassinar o Grão-Mestre da Ordem de Cristo assume para si esse cargo, bem como, a jurisdição sobre o rico patrimônio da Ordem, subvertendo a missão da milícia templária:
“Recordo que foi o mesmo monarca que, pela sua própria mão, assassinou o Grã-Mestre da Ordem de Cristo (seu cunhado), certamente, porque este não tencionava abdicar daquilo que, até do ponto de vista canônico, constituía o cerne moral e religioso da Milícia.
Além disso, D. João II promoveu, em 1485, a reforma do brasão real. A chamada operação de endireitar o escudo (i. e., os escudetes das ilhargas) terá subvertido irremediavelmente o significado das peças que empunham as armas nacionais, as quais na sua configuração original representavam a Alma do Mundo, de acordo com Plotino: os três escudetes superiores voltados para a Inteligência (ou seja, para o interior) e o do meio e o inferior, voltados para a matéria (i. e., para o exterior). Ao preceder assim, D. João II terá entregue ao Corpo do Mundo a direção do destino nacional, transformando-o, doravante, numa mera questão de “Secos e Molhados.
No entanto, mesmo após o assassinato do Grão-Mestre da Ordem de Cristo, o Projeto Templário continua a subsistir, haja visto que as palavras MORE e MROE, tantas vezes presentes na eclíptica da esfera armilar de D. Manuel, com o significado de Manuel Orbis Rex est e Manuel Rex Orbis est, claramente reinvindicam um estatuto imperial, cuja tradição remonta à cristofânia de Ourique, com inequívocas ligações com o Rei do Mundo e a profecia do Quinto Império. Compele acorrer que numa sequência tradicional, Vasco da Gama (1497) e Pedro Álvares Cabral (1500) receberiam das mãos de D. Manuel I a bandeira da Ordem de Cristo, como estandarte das navegações. Ressalve-se que a cartografia portuguesa ostenta bandeiras da Ordem de Cristo pelo menos desde a carta de Pedro Reinel em 1500. Mas, que ideal perseguem os Templários?
“Não são de todo subreptícias, nem dispiciendas, as conotações entre o ideal sinárquico dos templários, isto é, a sua demanda da equanimidade universal ( no seio de uma hierarquia de competências), com o corpus doutrinal derivado do pensamento do cisterciense Joaquim de Fiori e popularizado pelos espirituais franciscanos. De outro modo, como justificar que os mesmos monarcas que protegeram os templários se tivessem empenhado na difusão do joaquimismo, cujos princípios religiosos, éticos e políticos se baseavam na ideia de que, sob a influência sucessiva de cada uma das três pessoas da Trindade, as criaturas se haviam de tornar puras, como os meninos, para ganhar o Reino dos Céus. Foi este ideário que, como é público, imortalizou Santa Isabel e Dom Dinis.
[…] A expansão portuguesa não foi, nem fruto do acaso, nem um feito político da Coroa ou de cortesão esforçados, antes a missão de uma Ordem iniciática.
Motivada por expectativas milenaristas e messiânicas coletivas, sincreticamente compendiadas no Auto do Império, a gesta marítima lusa resolve-se na demanda do Paraíso Perdido, esse Centro Espiritual supremo só alcançável, garantem-no escritos espirituais medievos como o Conto do Amaro, a Navegação de são Brandão, o Livro de José de Arimatéia e o Orto do Esposo, pelo nauta audaz que, em demanda do seu destino, embarque nas naus da iniciação e empreenda a travessia do Oceano da Alma, modelo dos oceanos do mundo, para dilatar Fé e Império (Manuel J. Gandra, 2013).
“Dilatar Fé e Império”… o engenho e arte decantados por Camões está na contramão da tese que perfila atribuir uma má gestão e descaso da Coroa Portuguesa na chamada tomada de posse definitiva do Brasil depois de 1500. O tema dos Templários portugueses, salvo raras e honrosas excessões, tem sido ignorado, omitido ou subvalorizado.
Consigna Silva que a historiografia registra, desde muito cedo, os precoces e estreitos laços entre a Ordem do Templo e os círculos aristocráticos portucalenses. A Ordem do Templo desempenhou papel fundamental tanto na formação da nacionalidade portuguesa quanto na expansão urbana portuguesa, ocorrida ao longo dos séculos XII e XIII. Acrescido a isso, a Ordem do Templo teve papel decisivo nas guerras de Reconquista da Península Ibérica, exerceu poderosas influências em vários reinos da Europa e foi decisiva para as Cruzadas. Vale frisar que, no tocante a este último item, vinculou-se de tal modo a imagem Templária às Cruzadas que sua vital importância e presença em Portugal foi abafada. Evidentemente que os Templários tem muito a ver com as Cruzadas. No entanto, os Templários portugueses configuram um tipo muito particular de templário. E a própria Ordem do Templo em Portugal se desenvolve de modo bastante específico.
Relações extremamente complexas se teceram entre os reis portugueses e a Ordem do Templo, onde apesar de documentado, impera o véu de silêncio sobre a relação da Coroa Portuguesa com os Templários e, da Ordem de Cristo com o Brasil. Isso não só porque o tema sobre os Templários é carregado de estigmas. Reações bipolares acontecem no trato dessa questão, que oscila entre a admiração incrédula, a discrição da ignorância, o preconceito pretencioso e a negligência erudita. Mas, sobretudo, porque, ainda se ausentam das pesquisas historiográficas o diálogo e os novos horizontes que a transdisciplinaridade estará mais habilitada a fornecer que a engessada hermenêutica positivista.
Nesta conformidade, uma vez alienada a presença e a participação da Ordem de Cristo no Descobrimento do Brasil, espargido o seu dinamismo específico e perdidas as chaves destinadas à sua leitura e interpretação, abre-se inexoravelmente um vazio histórico que só pode ser transposto uma vez que se recupere e se esclareça o que foi efetivamente o Projeto Templário.
“De facto, salvo algumas monografias e contributos pontuais com direito a destaque, as Ordens do Templo e de Cristo não conheceram ainda quem, numa perspectiva global, sistemática, sustentada (quer tradicional, quer documentalmente) e lusíada se aventurasse a resgatar a sua história, projeto, práxis e patrimônio.
A utilidade do empreendimento chegou a merecer, convém recordá-lo o reconhecimento de autoridades como Pedro A. de Azevedo ou Jaime Cortesão, o qual sublinharia ainda a necessidade de conduzir tal estudo ponderando o quanto do tesouro templário (espiritual, mas também material) terá sido investido na preparação e concretização da expansão marítima, bem como na consolidação do Império português (Gandra, op. cit., 2013, p.22).
Essa parece ser a aspiração que tanto Tito Lívio quanto Manoel R. Ferreira tinham em mente quando se propuseram a pesquisar sobre as conexões entre a Ordem de Cristo e o Brasil. Apelam incessantemente para a importância do “eixo templário” na construção da totalidade da visão que norteia o Descobrimento do Brasil, indo buscar o início de um tal projeto com a Ordem de Cristo. Nisto reside sua virtude.
Contudo, cabe acrescentar mais algumas considerações para encerrar esse assunto. As obras de ambos os irmãos não tratam da decadência nacional portuguesa propiciada pelo enfraquecimento da Ordem de Cristo, que tem como marco basilar o assassinato do Grão-Mestre da Ordem por D. João II, o “Príncipe Perfeito”. Uma vez que o ideal nacional imbuído de um sentido missional preconizado pela Ordem de Cristo (e assumido integralmente pela Coroa até D. João II) se arrefece ou transmuta, de resto, sofrem as consequências todo o planejamento do Projeto Templário, incluso o Descobrimento do Brasil e a forma como a Coroa conduzirá suas ações e decisões em todo o império ultramarino.
Para o contributo do enfraquecimento da Ordem de Cristo e, por conseguinte, da decadência de Portugal, está D. João III que sucede o pai D. Manuel I em 1521, aos 19 anos. D. João III manteve a equipe governante do pai, mas, abandonou seu projeto Imperial (que seria retomado por seu neto D. Sebastião I, (projeto de Império decantado por Fernando Pessoa). Dividiu o Brasil em Capitanias-Hereditárias. Era extremamente religioso (católico) e subserviente à Igreja de Roma a ponto de permitir a entrada da inquisição em Portugal. Longe ser uma coincidência, é no seu reinado, em 1529, que frei António de Lisboa levou a cabo a reforma da Ordem de Cristo, destruindo e queimando todos os arquivos da Ordem, praticamente dissolvendo-a e, transformando-a numa ordem de clausura. D. João III é tido como pai-fundador e protetor da Companhia de Jesus, a quem confia a missão de “irradiar a fé cristã”, um contraponto ao ideal templário de dilatar Fé e Império. D. João III nomeia o Pe. Manoel da Nóbrega primeiro Secretário da Educação do Estado do Brasil para estabelecer a rede espiritual da educação luso-brasileira, fazendo com que, durante longos anos o ensino público de Humanidades só se ministrasse nos Pátios da Companhia de Jesus. Os jesuítas eram professores pagos pela Coroa Portuguesa. É também deveras sintomático os seguintes fatos: o episódio das Bandeiras e dos Bandeirantes envolvendo jesuítas portugueses e os jesuítas espanhóis; o fato de estar a Companhia de Jesus diretamente envolvida nas questões da mineração do Brasil “colônia”; o envolvimento dos jesuítas com a revolta de Amador Bueno, episódio separatista que arrolava à São Paulo separação da Coroa Portuguesa. De todos estes episódios, o dos Sete Povos da Missões constitui o caso mais emblemático e trágico envolvendo jesuítas, portugueses e índios. Muito embora Tito Lívio (A Ordem de Cristo e o Brasil) distingua sobremaneira a atuação dos jesuítas portugueses dos jesuítas espanhóis, Frei Bernardo da Costa (in: Inéditos da Crónica da Ordem de Cristo) apresenta um Compêndio Histórico sobre os jesuítas e a Ordem de Cristo que contém denúncias graves. Frei Bernardo acusa os jesuítas de se apossarem não só do patrimônio templário pertencente a Ordem de Cristo, bem como, de intentaram assumir o seu papel no desempenho do ideal sinárquico. Este documento elucida os estragos e ruínas que a Companhia de Jesus fez ao Reino e aos templários. Não sem razão, Gandra afirma que D. João II ao mudar o destino nacional o transforma numa questão de “Secos e Molhados”, ou seja, numa mera questão de finanças, de procura por riquezas materiais, caminho diametralmente oposto ao perseguido pela Ordem do Templo e sua sucedânea a Ordem de Cristo. O início da decadência de Portugal, com claras repercussões para a futura história brasileira.
No tocante à questão do referido desempenho do ideal sinárquico dos jesuítas em solo brasileiro, Wilson Martins (in: Historia da inteligência brasileira (1550-1794), vol. I. São Paulo: T.A. Queiroz, 1992, p.13-14), afirma que os dados da Companhia de Jesus revelam algumas singularidades, onde percebe-se um plano de “conquista espiritual”, refletido na estratégica instalação e disseminação geográfica dos colégios jesuítas, que rejeitavam tudo que viesse a ser profano. Alerta para o fato de o fundador português da Companhia de Jesus, o Pe. Simão Rodrigues ser também o “implacável e encarniçado denunciador de Damião de Góis perante os tribunais da Inquisição”. Damião de Góis, comendador da Ordem de Cristo, guarda-mor da Torre do Tombo, cronista-mor do Reino, embaixador de Portugal nas cortes da Europa, foi um dos maiores pensadores portugueses. Personagem importante para os planos do rei D. Sebastião, que em 1572, tinha conseguido do Papa Pio V a autorização para (ré)-reformar os estatutos das ordens religiosas e militares de Cristo, Aviz e Santiago. Pretendia o rei fazer renascer a antiga força militar destas ordens. Neste quesito, Damião de Góis era um personagem central. O jovem rei afastava-se do seu tio, Cardeal-Inquisidor (futuro rei de Portugal) e dos dois padres jesuitas que o haviam educado. Damião de Góis foi assassinado. Tito Lívio (op. cit.,1980) apresenta a personalidade “ressentida” e a “sede de poder” que apresentava o Pe. Simão Rodrigues.
No entanto, embora tenha havido uma quebra de harmonia, o ideal sinárquico dos templários pode ser vislumbrado nos reis seguintes à D. João II, notadamente em D. Afonso V, D. Manuel I, D. Sebastião I, D. João IV e D. João VI. Dos Descobrimentos Marítimos (1500) até a proclamação da Independência do Brasil (1822) Portugal teve 12 Reis, suprimindo-se o Cardeal-Rei D. Henrique (1580) e a Dinastia Filipina (1640). Sendo o Brasil Província de Portugal, estes reis também pertencem a história brasileira, pois, são igualmente reis do Estado do Brasil.
Consigna Tito Lívio (1980, p. 57) sobre o nome Terra de Vera Cruz atribuído ao Brasil:
“Alí não foi hasteada a bandeira do Rei, a bandeira da Coroa Portuguesa, mas, a bandeira da Ordem de Cristo, porque esse patrimônio lhe fora adjudicado pelos Papas Martinho V, Nicolau V e Calisto III, no século XV.[…] O fato de a terra descoberta em 1500 receber o nome de Província de Santa Cruz está explicado”.
Estes breves traços são suficientes para se verificar que a matéria que envolve a palavra “colônia” aplicada ao Brasil não é matéria dispicienda e “dá panos para a manga”, segundo o dito popular. Este fio de Ariadne perpassa toda a Dinastia de Avis e dos Bragança para desembocar nos dias de hoje.
Assim, constitui matéria de alta relevância os acontecimentos históricos envolvendo a Ordem do Templo e sua sucedânea, a Ordem de Cristo no tocante as matérias respeitantes à história do Brasil. Suprimi-las, ou antes, delegar exclusivamente à Portugal tal herança, é uma fórmula bem eficaz de escamotear a história.
Fernando Pessoa (Mensagem), de modo lapidar, diz:
Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal.

Vaticina a poetisa e folclorista brasileira Anna Maria Dutra de Menezes de Carvalho(in: As Brasilíades), entendendo ser chegada a hora de quebrar o silêncio:
É difícil atingir o mistério sagrado
que envolve o Brasil em oculta intenção
perguntar qual Missão, intuir qual mestrado
ilumina o futuro desta nossa nação.
E quando este gigante de repente acordar
vão rugir pororocas, vão cantar minuanos
e os mitos secretos e os tesouros do mar
surgirão nos espaços, sagrados, profanos,
e será revelado em seu credo abismal
o silêncio de Deus, pela voz da verdade
e o Brasil transmutado, paraíso ideal
será Ele, só Ele, por toda a eternidade!


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